Primeira quinta – Lasanha de Brócolis
Mal o relógio marcou oito horas e a campainha tocou
pela primeira vez. Embora ansioso não corri para atender a porta. Nem mesmo
gritei que estava a caminha, pois sabia que eles não iriam conseguir me ouvir.
Abri a porta e foi como uma viagem no tempo. Todos
eles atravessando a minha porta. Não dava para acreditar que estava acontecendo
de verdade.
Certamente seria uma das poucas vezes que todos
conseguiriam estar aqui, por isso teríamos que aproveitar a noite ao máximo.
– Sem palavras! – foi a primeira coisa que disse,
enquanto eu os abraçava ali no corredor – Se um dia alguém dissesse que isso
iria acontecer eu duvidaria.
Era como se todos haviam vindo de uma cápsula do
tempo, mas com roupas diferentes.
– Só não dá pra dizer que ninguém mudou nada – disse
o Carlinhos, segurando a sua mala – Está todo mundo diferente. A cidade mudou,
o condomínio mudou, mas a gente junto...
E as palavras que lhe faltavam todos nós sabíamos
como completar.
– É, Carlinhos –
e ele já estava rindo – o teu sotaque também mudou. Está muito mais carregado
do que a última vez que você veio pra cá.
Desde que voltou
para Salvador com sua família, Carlinhos voltou apenas uma vez e ficou um mês
aqui. Mas fazia muito tempo que isso havia acontecido. Ainda assim parecia que
havia sido ontem que ele entrou naquele ônibus.
Bateu uma vontade
imensa de descer para a pracinha com o violão e tocar até os vizinhos começarem
a reclamar.
– Daqui a pouco a
gente desce para jogar War na pracinha – eles começaram a me olhar tentando ver
se eu estava sendo irônico – ou tocar violão até alguém jogar um ovo na gente.
Entre sorrisos,
Analú soltou uma gargalhada.
– Aquele dia foi
sem noção. Meu... E ele ainda foi falar pro teu pai que era pra você ir cantar
com os teus amigos num programa de calouros.
Já dava pra
perceber que a noite iria render e muito.
Ainda em meio às
risadas me toquei que ainda estávamos conversando no corredor.
– Pra variar, a
minha cabeça continua a mesma. Vamos entrando – eles mal esperaram o meu convite
terminar para começar a entrar no apartamento. Claro que a conversa não parava –
Carlinhos, se você quiser pode deixar as suas coisas no quarto. Acho que você
ainda se lembra aonde fica!
Carlinhos era o
único que eu abrigaria pelas próximas semanas. O restante iria para casa ou se
hospedariam na casa de parentes.
– Eu lembro sim –
respondeu Carlinhos, carregando sua mala e com a mochila ainda nas costas. Sua
camisa estava toda suada.
Quem diria que eu
veria o Carlinhos usando roupa social. O nosso caçula hoje tem o seu próprio
escritório de advocacia.
Sara passou a reparar
no cheiro que vinha da cozinha.
– Não me diga que este cheiro é de...
– Lasanha de
brócolis do Mestre. Demorou, mas eu aprendi a cozinhar.
Era visível que
eles estavam duvidando dos meus dotes culinários.
– Vamos fazer o
seguinte. Enquanto eu arrumo a mesa e nós comemos, a gente vai lembrando de
acontecimentos do passado. As histórias que só aconteciam com a gente.
– Como no dia em que você beijou o dedinho.
– Ou o dia da casa mal assombrada.
– O dia que o Fiapo tentou conhecer São Pedro.
– E a fuga de casa da Analú?
– E quem lembra de quando o Fiapo chorou porque o Conrado tinha fumado
maconha?
– Nossa... o dia da reunião com o síndico do condomínio...
– São tantas histórias que dariam um livro.
– Um livro não publicável, você quer dizer.